VALÉRIA GUERRA, POETISALUZ

JUSTIÇA SEMPRE..........

Textos

O ÚLTIMO DODÔ - CLTS 21

 

CLTS 21

 

Valéria Guerra Reiter

 

 

O ÚLTIMO DODÔ

 

 

Valéria Guerra Reiter

 

 

 

Maurício é um homem comum e incomum ao mesmo tempo. Trabalha como cientista e pesquisador em biologia marinha. É mergulhador e devoto de São Maurício, ele descobriu que o santo é conhecido como padroeiro dos soldados. Apesar de não deter patente militar, Maurício milita como um bravo guerreiro na ambiência da fenomenologia.

 

Já viajou por quase todo o mundo, nosso Maurício Ibrahim, e quase sempre (todas as vezes) trouxe algum artefato legalmente permitido para sua residência; na zona sul do Rio. Além de mergulhador e biólogo. Maurício é folclorista. Teve a oportunidade de cursar História também, e se especializar em folclore.

 

- Bom dia querido, tudo bem? Hoje está chovendo, como faremos?

 

- Nossa Alice! que péssima notícia, hoje estou de folga, e preciso muito fazer aquele pequeno tour à Ilha Grande, você sabe que ainda persigo àquela aparição: - Qual? a da sereia? – Isso mesmo, disse o moço.

 

Alice é a namorada de Maurício, e escreve terror. Sua melhor fonte inspiradora é o namorado. Ela enxerga nele um destemido brasileiro, que sonha com dias melhores para seu país, e para o mundo natural, seu último interesse no campo da busca de figuras míticas, foi a aparição de uma sereia, na tão conhecida Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro.

 

O dia transcorreu tranquilo, dentro do apartamento amplo, que contava com um segundo pavimento, onde Maurício reside. Neste local, ele alocou três aquários marinhos, inclusive em um deles, mantém estrelas-do-mar, ouriços e anêmonas raras. Dizem as boas ou más línguas, que o belo e negro Maurício possui um exemplar de celacanto em um dos aquários. Será? Seria o pulmonado? Ou o adaptado atual com brânquias?

 

Olha, se for o extinto pulmonado, isso provará que viver em um mundo fake e encontrar uma notícia tão rara, que aparente ser fato, que possa ser evidência, fruto de uma investigação científica séria, que nos brinde com a música da autenticidade:  será perfeito. O parque dos Dinossauros, que fez bilheterias bilionárias, nos remete a um período geológico e evolutivo extinto; porém rico em verdades imperativas, que são trazidas à tona através de mentes criativas, que com certeza, levam os indivíduos à reflexão.

 

Maurício não come carne de animais, nem de peixes. Ele é vegano, apesar das críticas vindas do seu entorno, inclusive as de Alice, que ainda traça um franguinho com quiabo, como boa mineira que é...

 

Ele venera o biológico, ele ama compreender, o que Charles Darwin lhe trouxe sobre evolução, e mesmo que isso contrarie a outros cientistas que ainda desconfiam do filho de Erasmus; Maurício quer crer que seu estudo sobre a ciência ainda tão tenra, tem a solidez necessária, portanto ele se tornou doutor em evolução, no último ano, em Évora, Portugal 

 

 

 

 

 

Na porta de seu segundo banheiro, que fica ali no andar de cima do belo imóvel, ele colou a seguinte frase: OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS, DESDE QUE OS MEIOS JUSTIFIQUEM OS FINS”, ele achou que a reflexão de Trotsky "colore" sua simples existência, de gênero Homo descobridor da tecnologia do fogo e roda. Maurício considera os outros gêneros superiores...e acha que a humanidade é apenas a espécie guardiã dos ecossistemas, com sua exuberante fauna e flora esparramada pelos quatro cantos do globo.

 

O celacanto de Maurício é um segredo de estado, que ele mantém bem guardado a sete chaves. Nem mesmo a sedutora Alice sabe sobre este projeto, se é que se pode chamar assim tal modelo biológico que originalmente desapareceu há mais de 300 anos...

 

A ciência é a mãe da razão, porém a razão se estabeleceu através da pré-ciência. E Maurício recebeu um convite para ir conhecer às Ilhas Mauricio, aquela que era habitada pelo exuberante e extinto pássaro Dodô; em um apelo ao seu lado de historiador mítico, ele sonha com este momento de pesquisa.

 

 

 

Estava quase lá...em pensamento (nas Ilhas) ...quando o toque do WhatsApp em seu celular...o trouxe novamente para seu sofá confortável e vermelho, e ainda absorto olhou a tela e viu a mensagem de Alice: realmente, ela havia combinado um passeio matinal. O rapaz desceu as escadas ligeiro, porém ouviu outro som, que parecia interminável, e não era de toque de celular... Parecia um farfalhar de folhas amplificado.

 

O barulho continuou se arrastando atrás de Maurício. E de súbito espatifou-se no meio da sala de estar da confortável habitação. Seus olhos não queriam crer naquela, agora, já visão. E que visão, para um dia chuvoso no Rio de Janeiro...

 

Era um bicho, e media uns dois metros...guinchava. Aparentava cegueira, pois se debatia sem fixar o olhar em lugar algum.

 

Maurício subiu as escadas e imediatamente olhou para o aquário que abrigava o celacanto; foi quando constatou que o objeto havia se espatifado em múltiplos fragmentos cortantes. O bicho cresceu um metro e meio em alguns minutos. E os fragmentos do aquário desapareceram em frente aos olhos do homem.

 

O biólogo chegou até o beiral da escada e antes... de ter qualquer pensamento recebeu um golpe de nadadeira gigante em sua cabeça.

 

 

 

                                                                        NO HOSPITAL

 

 

Chovia demasiadamente lá fora, com raios e trovoadas consequentes. Édipo foi chegando perto da cama e sussurrou para a mulher sentada: - Como ele está? Sonolenta ela levantou os olhos e afirmou: - Voltou do coma há duas horas, porém adormeceu depois que o doutor Villaça veio vê-lo.

 

Édipo era irmão de Alice e gostava muito de Maurício, são amigos de infância. O golpe na cabeça do pesquisador causou uma concussão, e se Alice não tivesse chegado ao apartamento do namorado, dez minutos após o acontecido, por força de uma irresistível intuição, Maurício estaria morto. Ela narrou ao irmão o que viu...

 

- Alice, afinal o que houve?

 

- Mano, eu não sei...quando girei a chave naquela fechadura me deparei com o meu querido Maurício caído perto do sofá vermelho, com o rosto enfiado em uma poça. Então antes de gritar...puxei a cabeça dele para cima e fiz força para virar seu corpo. – Minha irmã! correste um risco ao mexer nele, sabes disso?

 

- Sei. Mas não podia deixá-lo afogar em seu próprio vômito.

 

- Édipo eu não entendi o que houve. - Não havia vestígio de nenhuma movimentação ou alteração no imóvel; nenhum sinal de arrombamento ou similar, entende? – E eu senti um cheirinho de alfazema no ar, toda sexta-feira a dona Camila vem realizar faxina. A única mudança que notei foi uma fresta de uns dez centímetros no assoalho da antessala bem junto ao vão da escada, disse Alice ao irmão. Édipo era ator e estava elaborando um projeto novo no teatro herdado de seu avô. Alice, inclusive irá fazer uma participação especial na peça. Ao findarem o diálogo, observaram que Maurício mexeu a cabeça. Depois abriu os olhos. Édipo sorriu para o amigo, e observou que no pescoço do namorado da irmã havia uma escama. Uma grossa e dura escama esverdeada.

 

Resolveu então, o artista, sacar um lenço umedecido de sua bolsa capanga e remover a estrutura do corpo do amigo. Quando iniciava o procedimento simples: a escama de moveu de lugar sozinha e foi parar no tórax de Maurício. Édipo insistiu e quando tentou outra vez, a escama voou na direção de um de seus olhos ofuscando sua visão imediatamente. O robusto rapaz gritou... e Alice acorreu em sua direção em desespero. Ele gritava e então dois enfermeiros entraram no recinto e agarraram Édipo, o levando para outra sala. A mulher chorava...e não sabia se olhava seu noivo, ou seu irmão. Foi difícil, para Édipo se acalmar: ele teve que ser sedado...

 

Maurício ficou internado durante 30 dias. Saiu um pouco debilitado, e sua mãe veio do Acre para cuidar de sua convalescência. Os cuidados dispensados ao biólogo deveriam ser muito criteriosos, afinal ele ficou cego do olho esquerdo como efeito da pancada.

 

Maurício estava traumatizado, porém precisava voltar a casa, inclusive para entender o que houve. Ninguém teve coragem ainda de contar ao cientista que seu querido amigo de infância havia falecido no mesmo hospital em que ambos ficaram internados.

Sim, Édipo fora entubado e teve uma infecção generalizada...quinze dias após o episódio da “escama”.

 

Alice ficou tão desesperada com a perda de seu caro irmão que viajou para Minas, se enfiando em seu antigo quarto na casa da mãe sob forte depressão...

 

Ela emagreceu tanto que precisou ser internada dez dias, vítima de uma profunda desidratação. A namorada de Maurício quase morreu,

 

Maurício não sabe da morte do grande amigo...pensa que ele viajou.

 

Oito meses transcorreram desde o acontecido no apartamento do doutor em evolução...a mãe dele voltou ao Acre. Maurício estava mais forte e agora já sabia da ausência eterna que Édipo faria em sua vida. Triste, porém animado em prosseguir com suas pesquisas...estava ele sozinho em casa, estava madornando lendo livros e artigos, quando escutou passos no andar de cima. Tornou a fechar os olhos e acabou adormecendo...

 

Seu coração disparou ao som de um canto terríficos e entediante; que o acordara; era um canto melodioso e fúnebre. Seu olho esquerdo, cego, não viu a maçaneta girando; no entanto o olho direito vislumbrou quando aquela fêmea quase uivante pulou em seu colo derrubando-o no sofá vermelho. Ela não tinha pernas e sim uma longa nadadeira molhadíssima, e seus cabelos longos e cacheados se avolumaram em seu pescoço de forma sufocante. O homem chorava de pavor e perdia já as últimas forças...quando viu a cabeça da sereia cair sobre seu dorso de forma fatal.

 

Depois ela escorregou inerte pelo sofá e caiu no chão...foi quando ele pode já recuperado de o sufocamento ver Alice em pé na sua frente com uma luminária de ferro nas mãos...

 

Ele balbuciou entre lágrimas: - Você salvou minha vida pela segunda vez. Alice estava magrinha, por conta da depressão, mas não perdera o reflexo e o senso de humanidade.

 

Ela retrucou com meio sorriso: - Eu te amo. E ambos pareciam aliviados, ali bem diante daquele "monstro aquático"...que eles não entendiam como e por que entrou ali...com tamanha voracidade de aniquilamento.

 

Maurício voltou seu olhar para fitar aquilo, porém pensou que ela poderia não ter morrido. Alice pediu a ele que amarrasse a mulher-peixe...como prevenção. E ele assim o fez. Agora os dois pensavam numa forma de entender a origem dos dois ataques desferidos ao doutor Maurício. Ambos se entreolhavam com um olhar de dúvida durante meia hora. Até que Maurício se levantou e disse em alto e bom som: “Vou para Angra amanhã”: - Preciso saber se encontraram a sereia...

 

Alice então gritou: - Chega! venda este apartamento, esquece esta viagem, olha a coisa toda tétrica, que se desenrolou aqui! Como nos livraremos deste "ser" morto? jogaremos esta criatura no mar? - Ok, vamos jogá-la hoje, de madrugada, no Leme, afirmou o namorado. Eu fiquei dois meses depressiva, depois que perdi meu irmão. – Sei que o golpe foi duro, disse Maurício. – Ele era um grande amigo, e fiquei doente com isso também. - Aquela escama estranha, é venenosa, e evolutivamente não deveria mais existir; porém envenenou as hemácias do meu querido amigo, levando-o à morte do corpo físico.

 

A namorada eterna do senhor Maurício estava apavorada, pois se transformou em uma assassina, e teria que ocultar o cadáver junto com seu amor. E foi assim que aconteceu...eles despejaram o corpo da sereia no mar do Leme, e aquele dia se transformaria no episódio mais terrível da vida do biólogo marinho Maurício; que nunca matou, nem foi cúmplice de nenhum assassínio contra nenhum ser vivo.

 

Transcorreram dois anos, depois deste fato. E Maurício se preparava para viajar para as Ilhas Maurício...sonho antigo, seu coração havia se aquietado, após os golpes que a vida lhe desferiu.: ele mudou do apartamento onde tudo aconteceu, porém não vendeu, nem alugou o imóvel, trancou a porta e contrata, de quando em vez, alguém para abrir e faxinar o local.

 

Alugou uma casa na Ilha de Paquetá. E um apartamento na Gávea. Ele gostava muito de velejar, e se dividia entre as duas moradias. Seu olho, realmente foi perdido. Mas ele se virava bem com o outro. Alice estava feliz de ser escalada para viajar com ele para o arquipélago longínquo e perto de Madagascar, que ela também iria conhecer. Os dois destinos turísticos guardam um valor histórico recheado de natureza exótica e vibrante.

 

A ex-colônia francesa já podia ser avistada pelo casal, de dentro do voo mais barato que conseguiram, afinal Alice estava grávida, e as despesas aumentariam, saíram de Salvador, pois tinham passado duas semanas na Bahia de Todos os Santos, antes de rumar para o destino desconhecido, e ambicionado por eles há anos.

 

“Cerca de 500 km a oeste da Ilha de Madagascar, e a 1200 km do leste da África, viviam os antigos Dodô, espécie de pássaros parentes dos pombos. Em 2005, foram encontrados restos de ossos na Ilha Maurício. Um pintor holandês retratou o pássaro infelizmente desaparecido há mais de três séculos.

 

Os pássaros Dodô, que transitavam sem nenhum medo dos humanos, nas Ilhas Maurício, foram extintas no século XVII, quando morreu o último exemplar, já que invasores famintos devoraram as alegres e bondosas aves. Sua imagem foi revivida pelo escritor Lewis Carroll, em sua pioneira e conhecida obra literária “Alice no país das Maravilhas”.

 

Alice lia o release acima descrito,- que seu noivo, marido, namorado, sei lá, como ela classificava seu relacionamento com o evolucionista havia escrito - quando percebeu seu celular vibrando, ela estava sentada no saguão do Friday Atitude Hotel, esperando o quarto de frente para o mar, ser liberado, e ouviu a voz da mãe que disse: - Filha já chegou, como foi a viagem...e Alice sentiu um misto de saudade e preocupação e logo avisou: - Bem mãezinha, já estou no Hotel, e é lindo, e você, dormiu muito hoje? E Dona Isaura retrucou: - Claro, o apartamento do Maurício nem parece que ficou fechado por dois anos, a faxineira o deixou bem Clean. Alice enrubesceu, ela sabia que sua mãe iria supervisionar a faxina para que em breve o apartamento fosse mostrado para candidatos ao aluguel, porém não sabia que sua mãe dormiria lá...

 

A mulher lembrou dos acontecimentos fatídicos, guardados como segredo por ela e Maurício, e ficou preocupada com Isaura, questionando: - Mãe, você já chegou em casa?

 

A senhora de setenta e oito anos, porém mui bem-disposta e jovial respondeu: - Não. Alice obtemperou: - A faxina já foi feita...e a progenitora respondeu sorrindo: - Claro, é que fiquei muito cansada para voltar a casa ontem, acabei descansando no sofá aconchegante e lindamente vermelho aqui embaixo...de repente a ligação foi interrompida...e Maurício já vinha sorridente com as chaves do quarto nas mãos.

 

Alice resolveu ficar menos preocupada, e seguiu com ele para descansar antes de jantar, eles chegaram à noite na Ilha, e no dia seguinte se aventurariam em um primeiro tour suculento em termos de aventura selvática. Após o banho, deitaram-se ambos na cama redonda e fofa do aposento, e de lá ouviam a zoeira de animais noturnos, com sua característica sonora mais plena, pareciam em paz, com uma paz que só a natureza consegue oferecer aos seus amantes.

 

Desceram e jantaram. Riram e sonharam, depois ouviram música ao vivo no salão ao lado do restaurante, e subiram para enfim dormir. Alice olhou o celular duas vezes, e percebeu que sua mãe estava on-line, enviou uma mensagem de texto, e se entregou aos braços de Morfeu.

 

Às sete horas e trinta minutos, os dois pombinhos já estavam tomando o farto café-da-manhã, quando o guia turístico chegou para avisar que a van já estava a postos, com mais cinco turistas loucos para conhecer partes da Ilha, especialmente aquela onde imperou o engraçado e inteligente Dodô.

 

Seguiram, e às 9 h já estavam no reduto repleto de árvores típicas do lugar, como a altíssima figueira indiana, a casuarina, o flamboyant, o ébano e a canforeira. O guia estava distraído enquanto Alice fotografava a enorme figueira indiana. Maurício se afastou um pouco, pois escutou um murmúrio parecendo de um grande pombo, quando se virou para buscar contato com a provável ave, ele ouviu um som mais alto, cada vez mais estridente e escutou em seguida um urro de mulher. A mulher era Alice, ele e o guia acorreram até ela, e acharam sua cabeça distando do corpo, aproximadamente 90 cm. Maurício desmaiou, enquanto o guia gritava. Em cima da figueira altíssima havia uma figura de um metro de comprimento, que abria e fechava a boca que abrigava um líquido vermelho entre os dentes enormes. A mochila de Maurício, que estava entreaberta e caíra ao largo após seu desmaio diante da imagem inaudita, deu brecha para que aquele ser cheio de penas e dentadura estrambólica entrasse rapidamente lá dentro da bolsa quase vazia...

 

 

Mauricio chegou ao Rio de Janeiro, no mesmo avião onde jazia o corpo de sua eterna namorada, seu coração estava em pedaços, sua mente poluída pela amargura, mas em sua mochila havia alguém, que agora estava adaptado a uma dieta diferente, e isso provado pela presença de dentes, o animal guardou em seu D.N.A. uma defesa vingativa visceral de manter sua sobrevivência vorazmente, tal exemplar de Raphus cuculattus saiu do mundo folclórico e mágico dos Dodôs extintos e entra para o mundo visceral do terror; isso por ter adquirido a capacidade - de em contato com interiores sintéticos - por afinidade química poder se transfigurar; o que ocorreu quando ele deliberadamente entrou na mochila de Maurício: e transmutou-se em bibelô de látex. O caro leitor poderá refletir calmamente...o que a alfândega viu, e pensou...e Maurício?

 

 

 

 

NO MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL DE NOVA YORK - VINTE ANOS DEPOIS (2042)

 

 

 

Maurício estava assaz orgulhoso, em pé; dentro do Museu, nevava lá fora, foi quando ele avistou a entrada de Mnemósine Ibrahim, que muito séria, cumprimentou a todos, e se aconchegou em uma chaise alocada bem em frente a uma réplica de Dodô. Uma fila quilométrica se estendia do lado de fora...havia milhares de leitores ávidos para adquirir o livro de terror e suspense que de fato, virou best-seller pela proficiência, e não através do malsão e injusto lobismo habitual.

 

Antes de assinar o primeiro exemplar da noite de autógrafos, os olhares entre pai e filha se entrecruzaram, em uma cumplicidade estonteante, como se ficção e realidade fossem o tudo e o nada na vida dos dois. No apartamento na zona sul do Rio, um pássaro dormitava, aguardando seus donos voltarem.

 

E de vez em quando, da fresta (ou fenda no tempo) no assoalho da sala, no primeiro andar, do duplex, saía a mesma sereia (fica nítido que ela não morrera há vinte anos), ela foi a mesma que atacou Isaura, a matando na noite, que antecedeu a morte de sua filha Alice nas Ilhas Maurício, grávida de sete meses. De lá também saía, vez em quando o celacanto pulmonado. Nesta noite saiu um saci-pererê, que olhou para o Dodô, que ria para ele com seus dentes monstruosos de canibal. O moleque de uma perna só...tratou de voltar bem rápido e ajuizadamente para seu mundo mágico do folclore nacional, se espremendo pelo rasgo no assoalho...

 

 

O homem tende a crescer a uma taxa maior do que seus meios de subsistência.

Charles Darwin – evolucionista

 

 

 

 

MEUS CAROS LEITORES,

 

 

 

O LANÇAMENTO DO JUSTO BEST SELLER NA MODALIDADE TERROR E SUSPENSE: O ÚLTIMO DODÔ SERÁ LANÇADO NO BRASIL, NA BIENAL DO LIVRO DO RIO DE JANEIRO EM NOVEMBRO DE 2042 – NÃO PERCAM! TAMBÉM HAVERÁ APRESENTAÇÃO TEATRAL DA PEÇA HOMÕNIMA, COM O ATOR ÉDIPO DUARTE.

 

 

TEMA - FOLCLORE

 

O ÚLTIMO DODÔ

 

 

Valéria Guerra Reiter

 

 

 

Maurício é um homem comum e incomum ao mesmo tempo. Trabalha como cientista e pesquisador em biologia marinha. É mergulhador e devoto de São Maurício, ele descobriu que o santo é conhecido como padroeiro dos soldados. Apesar de não deter patente militar, Maurício milita como um bravo guerreiro na ambiência da fenomenologia.

 

Já viajou por quase todo o mundo, nosso Maurício Ibrahim, e quase sempre (todas as vezes) trouxe algum artefato legalmente permitido para sua residência; na zona sul do Rio. Além de mergulhador e biólogo. Maurício é folclorista. Teve a oportunidade de cursar História também, e se especializar em folclore.

 

- Bom dia querido, tudo bem? Hoje está chovendo, como faremos?

 

- Nossa Alice! que péssima notícia, hoje estou de folga, e preciso muito fazer aquele pequeno tour à Ilha Grande, você sabe que ainda persigo àquela aparição: - Qual? a da sereia? – Isso mesmo, disse o moço.

 

Alice é a namorada de Maurício, e escreve terror. Sua melhor fonte inspiradora é o namorado. Ela enxerga nele um destemido brasileiro, que sonha com dias melhores para seu país, e para o mundo natural, seu último interesse no campo da busca de figuras míticas, foi a aparição de uma sereia, na tão conhecida Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro.

 

O dia transcorreu tranquilo, dentro do apartamento amplo, que contava com um segundo pavimento, onde Maurício reside. Neste local, ele alocou três aquários marinhos, inclusive em um deles, mantém estrelas-do-mar, ouriços e anêmonas raras. Dizem as boas ou más línguas, que o belo e negro Maurício possui um exemplar de celacanto em um dos aquários. Será? Seria o pulmonado? Ou o adaptado atual com brânquias?

 

Olha, se for o extinto pulmonado, isso provará que viver em um mundo fake e encontrar uma notícia tão rara, que aparente ser fato, que possa ser evidência, fruto de uma investigação científica séria, que nos brinde com a música da autenticidade:  será perfeito. O parque dos Dinossauros, que fez bilheterias bilionárias, nos remete a um período geológico e evolutivo extinto; porém rico em verdades imperativas, que são trazidas à tona através de mentes criativas, que com certeza, levam os indivíduos à reflexão.

 

Maurício não come carne de animais, nem de peixes. Ele é vegano, apesar das críticas vindas do seu entorno, inclusive as de Alice, que ainda traça um franguinho com quiabo, como boa mineira que é...

 

Ele venera o biológico, ele ama compreender, o que Charles Darwin lhe trouxe sobre evolução, e mesmo que isso contrarie a outros cientistas que ainda desconfiam do filho de Erasmus; Maurício quer crer que seu estudo sobre a ciência ainda tão tenra, tem a solidez necessária, portanto ele se tornou doutor em evolução, no último ano, em Évora, Portugal 

 

 

 

 

 

Na porta de seu segundo banheiro, que fica ali no andar de cima do belo imóvel, ele colou a seguinte frase: OS FINS JUSTIFICAM OS MEIOS, DESDE QUE OS MEIOS JUSTIFIQUEM OS FINS”, ele achou que a reflexão de Trotsky "colore" sua simples existência, de gênero Homo descobridor da tecnologia do fogo e roda. Maurício considera os outros gêneros superiores...e acha que a humanidade é apenas a espécie guardiã dos ecossistemas, com sua exuberante fauna e flora esparramada pelos quatro cantos do globo.

 

O celacanto de Maurício é um segredo de estado, que ele mantém bem guardado a sete chaves. Nem mesmo a sedutora Alice sabe sobre este projeto, se é que se pode chamar assim tal modelo biológico que originalmente desapareceu há mais de 300 anos...

 

A ciência é a mãe da razão, porém a razão se estabeleceu através da pré-ciência. E Maurício recebeu um convite para ir conhecer às Ilhas Mauricio, aquela que era habitada pelo exuberante e extinto pássaro Dodô; em um apelo ao seu lado de historiador mítico, ele sonha com este momento de pesquisa.

 

 

 

Estava quase lá...em pensamento (nas Ilhas) ...quando o toque do WhatsApp em seu celular...o trouxe novamente para seu sofá confortável e vermelho, e ainda absorto olhou a tela e viu a mensagem de Alice: realmente, ela havia combinado um passeio matinal. O rapaz desceu as escadas ligeiro, porém ouviu outro som, que parecia interminável, e não era de toque de celular... Parecia um farfalhar de folhas amplificado.

 

O barulho continuou se arrastando atrás de Maurício. E de súbito espatifou-se no meio da sala de estar da confortável habitação. Seus olhos não queriam crer naquela, agora, já visão. E que visão, para um dia chuvoso no Rio de Janeiro...

 

Era um bicho, e media uns dois metros...guinchava. Aparentava cegueira, pois se debatia sem fixar o olhar em lugar algum.

 

Maurício subiu as escadas e imediatamente olhou para o aquário que abrigava o celacanto; foi quando constatou que o objeto havia se espatifado em múltiplos fragmentos cortantes. O bicho cresceu um metro e meio em alguns minutos. E os fragmentos do aquário desapareceram em frente aos olhos do homem.

 

O biólogo chegou até o beiral da escada e antes... de ter qualquer pensamento recebeu um golpe de nadadeira gigante em sua cabeça.

 

 

 

                                                                        NO HOSPITAL

 

 

Chovia demasiadamente lá fora, com raios e trovoadas consequentes. Édipo foi chegando perto da cama e sussurrou para a mulher sentada: - Como ele está? Sonolenta ela levantou os olhos e afirmou: - Voltou do coma há duas horas, porém adormeceu depois que o doutor Villaça veio vê-lo.

 

Édipo era irmão de Alice e gostava muito de Maurício, são amigos de infância. O golpe na cabeça do pesquisador causou uma concussão, e se Alice não tivesse chegado ao apartamento do namorado, dez minutos após o acontecido, por força de uma irresistível intuição, Maurício estaria morto. Ela narrou ao irmão o que viu...

 

- Alice, afinal o que houve?

 

- Mano, eu não sei...quando girei a chave naquela fechadura me deparei com o meu querido Maurício caído perto do sofá vermelho, com o rosto enfiado em uma poça. Então antes de gritar...puxei a cabeça dele para cima e fiz força para virar seu corpo. – Minha irmã! correste um risco ao mexer nele, sabes disso?

 

- Sei. Mas não podia deixá-lo afogar em seu próprio vômito.

 

- Édipo eu não entendi o que houve. - Não havia vestígio de nenhuma movimentação ou alteração no imóvel; nenhum sinal de arrombamento ou similar, entende? – E eu senti um cheirinho de alfazema no ar, toda sexta-feira a dona Camila vem realizar faxina. A única mudança que notei foi uma fresta de uns dez centímetros no assoalho da antessala bem junto ao vão da escada, disse Alice ao irmão. Édipo era ator e estava elaborando um projeto novo no teatro herdado de seu avô. Alice, inclusive irá fazer uma participação especial na peça. Ao findarem o diálogo, observaram que Maurício mexeu a cabeça. Depois abriu os olhos. Édipo sorriu para o amigo, e observou que no pescoço do namorado da irmã havia uma escama. Uma grossa e dura escama esverdeada.

 

Resolveu então, o artista, sacar um lenço umedecido de sua bolsa capanga e remover a estrutura do corpo do amigo. Quando iniciava o procedimento simples: a escama de moveu de lugar sozinha e foi parar no tórax de Maurício. Édipo insistiu e quando tentou outra vez, a escama voou na direção de um de seus olhos ofuscando sua visão imediatamente. O robusto rapaz gritou... e Alice acorreu em sua direção em desespero. Ele gritava e então dois enfermeiros entraram no recinto e agarraram Édipo, o levando para outra sala. A mulher chorava...e não sabia se olhava seu noivo, ou seu irmão. Foi difícil, para Édipo se acalmar: ele teve que ser sedado...

 

Maurício ficou internado durante 30 dias. Saiu um pouco debilitado, e sua mãe veio do Acre para cuidar de sua convalescência. Os cuidados dispensados ao biólogo deveriam ser muito criteriosos, afinal ele ficou cego do olho esquerdo como efeito da pancada.

 

Maurício estava traumatizado, porém precisava voltar a casa, inclusive para entender o que houve. Ninguém teve coragem ainda de contar ao cientista que seu querido amigo de infância havia falecido no mesmo hospital em que ambos ficaram internados.

Sim, Édipo fora entubado e teve uma infecção generalizada...quinze dias após o episódio da “escama”.

 

Alice ficou tão desesperada com a perda de seu caro irmão que viajou para Minas, se enfiando em seu antigo quarto na casa da mãe sob forte depressão...

 

Ela emagreceu tanto que precisou ser internada dez dias, vítima de uma profunda desidratação. A namorada de Maurício quase morreu,

 

Maurício não sabe da morte do grande amigo...pensa que ele viajou.

 

Oito meses transcorreram desde o acontecido no apartamento do doutor em evolução...a mãe dele voltou ao Acre. Maurício estava mais forte e agora já sabia da ausência eterna que Édipo faria em sua vida. Triste, porém animado em prosseguir com suas pesquisas...estava ele sozinho em casa, estava madornando lendo livros e artigos, quando escutou passos no andar de cima. Tornou a fechar os olhos e acabou adormecendo...

 

Seu coração disparou ao som de um canto terríficos e entediante; que o acordara; era um canto melodioso e fúnebre. Seu olho esquerdo, cego, não viu a maçaneta girando; no entanto o olho direito vislumbrou quando aquela fêmea quase uivante pulou em seu colo derrubando-o no sofá vermelho. Ela não tinha pernas e sim uma longa nadadeira molhadíssima, e seus cabelos longos e cacheados se avolumaram em seu pescoço de forma sufocante. O homem chorava de pavor e perdia já as últimas forças...quando viu a cabeça da sereia cair sobre seu dorso de forma fatal.

 

Depois ela escorregou inerte pelo sofá e caiu no chão...foi quando ele pode já recuperado de o sufocamento ver Alice em pé na sua frente com uma luminária de ferro nas mãos...

 

Ele balbuciou entre lágrimas: - Você salvou minha vida pela segunda vez. Alice estava magrinha, por conta da depressão, mas não perdera o reflexo e o senso de humanidade.

 

Ela retrucou com meio sorriso: - Eu te amo. E ambos pareciam aliviados, ali bem diante daquele "monstro aquático"...que eles não entendiam como e por que entrou ali...com tamanha voracidade de aniquilamento.

 

Maurício voltou seu olhar para fitar aquilo, porém pensou que ela poderia não ter morrido. Alice pediu a ele que amarrasse a mulher-peixe...como prevenção. E ele assim o fez. Agora os dois pensavam numa forma de entender a origem dos dois ataques desferidos ao doutor Maurício. Ambos se entreolhavam com um olhar de dúvida durante meia hora. Até que Maurício se levantou e disse em alto e bom som: “Vou para Angra amanhã”: - Preciso saber se encontraram a sereia...

 

Alice então gritou: - Chega! venda este apartamento, esquece esta viagem, olha a coisa toda tétrica, que se desenrolou aqui! Como nos livraremos deste "ser" morto? jogaremos esta criatura no mar? - Ok, vamos jogá-la hoje, de madrugada, no Leme, afirmou o namorado. Eu fiquei dois meses depressiva, depois que perdi meu irmão. – Sei que o golpe foi duro, disse Maurício. – Ele era um grande amigo, e fiquei doente com isso também. - Aquela escama estranha, é venenosa, e evolutivamente não deveria mais existir; porém envenenou as hemácias do meu querido amigo, levando-o à morte do corpo físico.

 

A namorada eterna do senhor Maurício estava apavorada, pois se transformou em uma assassina, e teria que ocultar o cadáver junto com seu amor. E foi assim que aconteceu...eles despejaram o corpo da sereia no mar do Leme, e aquele dia se transformaria no episódio mais terrível da vida do biólogo marinho Maurício; que nunca matou, nem foi cúmplice de nenhum assassínio contra nenhum ser vivo.

 

Transcorreram dois anos, depois deste fato. E Maurício se preparava para viajar para as Ilhas Maurício...sonho antigo, seu coração havia se aquietado, após os golpes que a vida lhe desferiu.: ele mudou do apartamento onde tudo aconteceu, porém não vendeu, nem alugou o imóvel, trancou a porta e contrata, de quando em vez, alguém para abrir e faxinar o local.

 

Alugou uma casa na Ilha de Paquetá. E um apartamento na Gávea. Ele gostava muito de velejar, e se dividia entre as duas moradias. Seu olho, realmente foi perdido. Mas ele se virava bem com o outro. Alice estava feliz de ser escalada para viajar com ele para o arquipélago longínquo e perto de Madagascar, que ela também iria conhecer. Os dois destinos turísticos guardam um valor histórico recheado de natureza exótica e vibrante.

 

A ex-colônia francesa já podia ser avistada pelo casal, de dentro do voo mais barato que conseguiram, afinal Alice estava grávida, e as despesas aumentariam, saíram de Salvador, pois tinham passado duas semanas na Bahia de Todos os Santos, antes de rumar para o destino desconhecido, e ambicionado por eles há anos.

 

“Cerca de 500 km a oeste da Ilha de Madagascar, e a 1200 km do leste da África, viviam os antigos Dodô, espécie de pássaros parentes dos pombos. Em 2005, foram encontrados restos de ossos na Ilha Maurício. Um pintor holandês retratou o pássaro infelizmente desaparecido há mais de três séculos.

 

Os pássaros Dodô, que transitavam sem nenhum medo dos humanos, nas Ilhas Maurício, foram extintas no século XVII, quando morreu o último exemplar, já que invasores famintos devoraram as alegres e bondosas aves. Sua imagem foi revivida pelo escritor Lewis Carroll, em sua pioneira e conhecida obra literária “Alice no país das Maravilhas”.

 

Alice lia o release acima descrito,- que seu noivo, marido, namorado, sei lá, como ela classificava seu relacionamento com o evolucionista havia escrito - quando percebeu seu celular vibrando, ela estava sentada no saguão do Friday Atitude Hotel, esperando o quarto de frente para o mar, ser liberado, e ouviu a voz da mãe que disse: - Filha já chegou, como foi a viagem...e Alice sentiu um misto de saudade e preocupação e logo avisou: - Bem mãezinha, já estou no Hotel, e é lindo, e você, dormiu muito hoje? E Dona Isaura retrucou: - Claro, o apartamento do Maurício nem parece que ficou fechado por dois anos, a faxineira o deixou bem Clean. Alice enrubesceu, ela sabia que sua mãe iria supervisionar a faxina para que em breve o apartamento fosse mostrado para candidatos ao aluguel, porém não sabia que sua mãe dormiria lá...

 

A mulher lembrou dos acontecimentos fatídicos, guardados como segredo por ela e Maurício, e ficou preocupada com Isaura, questionando: - Mãe, você já chegou em casa?

 

A senhora de setenta e oito anos, porém mui bem-disposta e jovial respondeu: - Não. Alice obtemperou: - A faxina já foi feita...e a progenitora respondeu sorrindo: - Claro, é que fiquei muito cansada para voltar a casa ontem, acabei descansando no sofá aconchegante e lindamente vermelho aqui embaixo...de repente a ligação foi interrompida...e Maurício já vinha sorridente com as chaves do quarto nas mãos.

 

Alice resolveu ficar menos preocupada, e seguiu com ele para descansar antes de jantar, eles chegaram à noite na Ilha, e no dia seguinte se aventurariam em um primeiro tour suculento em termos de aventura selvática. Após o banho, deitaram-se ambos na cama redonda e fofa do aposento, e de lá ouviam a zoeira de animais noturnos, com sua característica sonora mais plena, pareciam em paz, com uma paz que só a natureza consegue oferecer aos seus amantes.

 

Desceram e jantaram. Riram e sonharam, depois ouviram música ao vivo no salão ao lado do restaurante, e subiram para enfim dormir. Alice olhou o celular duas vezes, e percebeu que sua mãe estava on-line, enviou uma mensagem de texto, e se entregou aos braços de Morfeu.

 

Às sete horas e trinta minutos, os dois pombinhos já estavam tomando o farto café-da-manhã, quando o guia turístico chegou para avisar que a van já estava a postos, com mais cinco turistas loucos para conhecer partes da Ilha, especialmente aquela onde imperou o engraçado e inteligente Dodô.

 

Seguiram, e às 9 h já estavam no reduto repleto de árvores típicas do lugar, como a altíssima figueira indiana, a casuarina, o flamboyant, o ébano e a canforeira. O guia estava distraído enquanto Alice fotografava a enorme figueira indiana. Maurício se afastou um pouco, pois escutou um murmúrio parecendo de um grande pombo, quando se virou para buscar contato com a provável ave, ele ouviu um som mais alto, cada vez mais estridente e escutou em seguida um urro de mulher. A mulher era Alice, ele e o guia acorreram até ela, e acharam sua cabeça distando do corpo, aproximadamente 90 cm. Maurício desmaiou, enquanto o guia gritava. Em cima da figueira altíssima havia uma figura de um metro de comprimento, que abria e fechava a boca que abrigava um líquido vermelho entre os dentes enormes. A mochila de Maurício, que estava entreaberta e caíra ao largo após seu desmaio diante da imagem inaudita, deu brecha para que aquele ser cheio de penas e dentadura estrambólica entrasse rapidamente lá dentro da bolsa quase vazia...

 

 

Mauricio chegou ao Rio de Janeiro, no mesmo avião onde jazia o corpo de sua eterna namorada, seu coração estava em pedaços, sua mente poluída pela amargura, mas em sua mochila havia alguém, que agora estava adaptado a uma dieta diferente, e isso provado pela presença de dentes, o animal guardou em seu D.N.A. uma defesa vingativa visceral de manter sua sobrevivência vorazmente, tal exemplar de Raphus cuculattus saiu do mundo folclórico e mágico dos Dodôs extintos e entra para o mundo visceral do terror; isso por ter adquirido a capacidade - de em contato com interiores sintéticos - por afinidade química poder se transfigurar; o que ocorreu quando ele deliberadamente entrou na mochila de Maurício: e transmutou-se em bibelô de látex. O caro leitor poderá refletir calmamente...o que a alfândega viu, e pensou...e Maurício?

 

 

 

 

NO MUSEU DE HISTÓRIA NATURAL DE NOVA YORK - VINTE ANOS DEPOIS (2042)

 

 

 

Maurício estava assaz orgulhoso, em pé; dentro do Museu, nevava lá fora, foi quando ele avistou a entrada de Mnemósine Ibrahim, que muito séria, cumprimentou a todos, e se aconchegou em uma chaise alocada bem em frente a uma réplica de Dodô. Uma fila quilométrica se estendia do lado de fora...havia milhares de leitores ávidos para adquirir o livro de terror e suspense que de fato, virou best-seller pela proficiência, e não através do malsão e injusto lobismo habitual.

 

Antes de assinar o primeiro exemplar da noite de autógrafos, os olhares entre pai e filha se entrecruzaram, em uma cumplicidade estonteante, como se ficção e realidade fossem o tudo e o nada na vida dos dois. No apartamento na zona sul do Rio, um pássaro dormitava, aguardando seus donos voltarem.

 

E de vez em quando, da fresta (ou fenda no tempo) no assoalho da sala, no primeiro andar, do duplex, saía a mesma sereia (fica nítido que ela não morrera há vinte anos), ela foi a mesma que atacou Isaura, a matando na noite, que antecedeu a morte de sua filha Alice nas Ilhas Maurício, grávida de sete meses. De lá também saía, vez em quando o celacanto pulmonado. Nesta noite saiu um saci-pererê, que olhou para o Dodô, que ria para ele com seus dentes monstruosos de canibal. O moleque de uma perna só...tratou de voltar bem rápido e ajuizadamente para seu mundo mágico do folclore nacional, se espremendo pelo rasgo no assoalho...

 

 

O homem tende a crescer a uma taxa maior do que seus meios de subsistência.

Charles Darwin – evolucionista

 

 

 

 

MEUS CAROS LEITORES,

 

 

 

O LANÇAMENTO DO JUSTO BEST SELLER NA MODALIDADE TERROR E SUSPENSE: O ÚLTIMO DODÔ SERÁ LANÇADO NO BRASIL, NA BIENAL DO LIVRO DO RIO DE JANEIRO EM NOVEMBRO DE 2042 – NÃO PERCAM! TAMBÉM HAVERÁ APRESENTAÇÃO TEATRAL DA PEÇA HOMÕNIMA, COM O ATOR ÉDIPO DUARTE.

 

 

TEMA - FOLCLORE

 

 

Valéria Guerra
Enviado por Valéria Guerra em 22/11/2022
Alterado em 17/12/2022
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras
O sonho e a realidade caminham juntos Valéria Guerra Reiter